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Famílias lutam por tratamento a crianças com câncer

Serenidade. Ah como essa palavra faz sentido nesta história. Sentido acompanhado de sorriso no rosto. Mesmo quando recorda do começo, do inesperado, e do que parecia ser a trajetória do caos.  Palavra por palavra…mantém a calma, respira e começa de novo. Essa sequência já se repetiu tantas vezes que se tornaram o caminho vital para a sobrevivência. O mesmo que a assustou, foi o que a fortaleceu. O mesmo que a tirou o sono é o que a fez acordar. O mesmo que a deixou quase só foi o que a fez construir uma rede de proteção e apoio. Serenidade. Esta palavra se repete, mas nunca é o suficiente. Imagine ter a notícia de que a filha criança tem um câncer e, a partir de então, lutar em infinitos segundos para ter um minuto de esperança. A universitária Amanda Lapa, de 21 anos, escreve há dois anos uma história de luta, mas o grande mérito ela não dá a si mesma. Mas a uma criança que desde os primeiros passos tem uma rotina que não é só de brincar. A menina precisa acordar para a próxima quimioterapia. “Não vai doer”. A menina acorda. A mãe dá um pulo. Elas correm. Conquista com nome de sentimento. Serena.

Como essa dupla, mãe e filha, amor e inocência, luta e força, o diagnóstico de câncer em uma criança cria um sentimento indecifrável em uma família. As histórias delas estão nos hospitais, nas ruas, nas filas, nos pedidos por mais remédio e assistência. No caso de Amanda e Serena, a descoberta aconteceu de forma dura, como sempre é. Após colocar Serena na escola, a vida estava finalmente voltando ao normal para Amanda. “Conseguia estudar direito, conseguia ter mais foco. Voltei a dançar”. Em uma quarta-feira  foi buscar Serena, como todos os dias. Só que dessa vez recebeu uma notícia da professora inesperada “Quando ela foi trocar a fralda dela, sentiu um negócio e por ela sempre ter prisão de ventre achamos que eram fezes no intestino” e mesmo após tomarem todas as medidas caseiras, o tal “negócio” não desaparecia. Estava ali como quem veio para ficar. Foram a pediatra achando que uma lavagem seria feita e aquilo iria acabar ali. “Fizemos o raio-x e já deu pra ver que não era o que pensávamos. Tinha uma bola branca”.

E ao entrarem no hospital para fazer uma tomografia, não saíram mais. “Falaram que era uma massa renal. Não falaram: ‘câncer’. Quando você escuta assim, é diferente”. Os médicos necessários para tratar da massa renal que para Amanda, parecia ser inofensiva, só chegariam na segunda-feira e ao voltarem para casa Amanda lembra “Eu taquei o Google. Pra entender o que tinha realmente acontecido” . A partir daí todo um mundo foi revirado e a frase: “Nunca vai acontecer comigo” nunca foi tão traidora.

Calma e respira de novo…

Era um dia normal. Michelle Machado, 36, estava com o filho Artur de 4 anos quando ele ao cair de um banquinho, torceu o pé. A partir dessa torcida, que não seria causa de grande preocupação, Michelle estava prestes a seguir para um caminho que mudaria a sua vida. Por palavras do médico, Deus que havia providenciado a queda dele e que ela deveria se preparar para  “Descobrir algo muito maior”.

A família se dirigiu ao hospital e a criança fez um raio-x que constatou que nada tinha sido quebrado “Mas ele não conseguia pisar no chão”. Fizeram uma imobilização que supostamente duraria 5 dias. Passado o tempo indicado pelos médicos, tiraram, e Artur voltou para escola normalmente. Mas ao voltar para casa, voltou mancando, só que dessa vez no outro pé. Na manhã seguinte, não conseguia pisar no chão de dor e retornaram ao hospital. Recomendado pelos médicos, engessaram, mesmo com nada constatando que estava quebrado. Uma semana de gesso. E mesmo assim, não conseguir pisar. Em uma das idas ao hospital Artur, ficou com mãos e pés gelados e tremia de febre. Mesmo não apresentando sintomas de gripe, o diagnóstico foi: virose. Ao voltar do trabalho, mãe de Michelle avisou que o pé dele estava inchado e vermelho “ Aí eu resolvi ir em outro hospital”.  

Em uma quinta-feira, ao realizarem um hemograma foi dito que ele tinha uma infecção de pele. A solução foi: antibiótico e o retorno após uma semana para acompanhamento. Na sexta, no sábado e no domingo Artur apresentou febre alta. Quando voltaram ao médico para checar a infecção, o resultado foi que ela havia sido contornada mas ia ser necessário a repetição do exame porque haviam voltado com alterações, as plaquetas dele estavam muito baixas. “Olhamos no google a causa e já nos desesperamos.Só tinha doença horrível”. O médico aconselhou a procura de um hematologista com urgência. A volta para a casa foi em um silêncio que só conseguiu ser  interrompido com o desespero de Michelle saindo de dentro para fora. “Precisei parar para vomitar, meu corpo travou e fiquei completamente paralisada” .

O começo de uma outra história , se iniciava ali. Ao conseguirem o contato de uma hematologista, enviaram os exames e ela pediu para que eles fossem a emergência o mais rápido possível já que ele apresentava anemia e outras alterações “Saí de casa apavorada” .Ao serem atendidos, entraram em um consultório que nem as suas quatro paredes iam ser o suficiente para conter tamanha angústia que estava por vir. . O coração de Michelle batia tão forte que seria capaz de sair do peito. Só que seu coração já estava do lado de fora. Sentado ali ao lado dela com suas perninhas que não tocavam o chão. Enquanto a hematologista e a pediatra conversavam no telefone, Michelle recorda ouvir ‘Ele está muito amarelo’ ‘Suspeitei desde que ele entrou aqui’. Assim que a ligação terminou, a médica virou a cadeira que até então estava de costas para a família, e soltou a notícia que ninguém, em nenhum momento quer escutar. “Leucemia”.

Calma e respira de novo…

Alterações de humor. A escolinha já percebia que José de 1 ano estava diferente. Mais cansado, menos participativo. Depois começou a se debater e se jogar no chão enquanto estava em casa. Amanda Pagano, 30, achou estranho o comportamento do filho que sempre foi alegre, participativo e amoroso. Ligou para o marido que estava trabalhando:“Ele disse que havia notado que tinha um caroço na barriga dele”.

Quando Paulo Sérgio, 32,  chegou em casa decidiu que seria melhor levar José no hospital. A médica disse que eram gases e que o pai não deveria nem estar com ele, ali, aquela hora. Paulo insistiu mesmo com a médica relutante. Quando finalmente foi feito o ultrassom, o radiologista viu uma massa abdominal grande no pequeno. A recomendação: ir para casa e entrar em contato com os médicos para ver o que poderia ser. “Meu marido chegou em casa já avisou que aquilo ali não estava bom” e avisou que no dia seguinte iriam atrás disso. Acordar. Abrir o olho e ver seus filhos. Mesmo não estando tudo bem, as coisas ainda não estavam tão mal. Chegar no hospital e exame atrás de exame. Tomografia, ultrassom.. e por aí vai. ”Viram que era um negócio no fígado. Biópsia e exame de sangue, até ver para que os exames apontavam. Câncer no fígado.”

Tratamento

O tumor de Serena tinha 14 cm. O próximo passo: quimioterapias para que diminuísse tamanho e retirassem. “Dos tipos de tumor maligno que tem, o dela era 70% blastema. Um dos piores. O rim dela estava necrosado”. Após a cirurgia foram 25 ciclos de quimioterapia. Em uma tomografia feita do tórax viram que tinha  3 nódulos no pulmão “Mas como a medicina não é exata, eles consideraram que era cicatriz pulmonar. Deixou isso pra lá e tratamos apenas o rim”.  O estranhamento veio quando em um dos exames eles não apareceram “Como que era uma cicatriz e sumiu?” e ao fazerem uma tomografia viram que os nódulos eram metástase, que ocorre quando o câncer se espalha além do local onde começou. Entre os exames rotineiros de Serena, não incluía a tomografia, que teria sido a melhor imagem para comprovar o que eram os tais ‘nódulos. Eram nove. Sem essa confirmação Serena iria ter sido dado como cura em uma semana. “Ela fez os ciclos de quimioterapia, remédios e medicações que não funcionaram pra ela, que faziam mal pra ela mas não tratava o que ela tinha”. Amanda e a família decidiram deixar o hospital para buscar outra possibilidade de tratamento. Sozinha se mudou para São Paulo com a filha para iniciarem o tratamento no GRAAC (Grupo de apoio e ao Adolescente à Criança com Câncer) vamos puxar uma caixinha para explicar que instituição é essa, uma instituição social sem fins lucrativos que tem parceria etc etc etc. “A medicação foi muito mais forte. Vomitou muito, cabelo caiu durante a primeira semana. (Quando) Ela faz quimio, mesmo depois de uma semana ainda vomita”.  

“Furado todos os dias”

No caso de Arthur, o primeiro diagnóstico da médica, foi feito um novo exame em Arthur que confirmou a Leucemia Linfóide Aguda, o câncer mais comum em crianças. “Só pensava que iria perder meu filho”. No dia seguinte, o tratamento se iniciou com vários medicamentos e na semana seguinte, quimioterapia. Tudo mudou. O que começou com um pé quebrado se transformou no pior pesadelo de qualquer mãe. No meio da rotina repentina, Michelle sentia que estava perdendo o controle sobre o destino do filho “Ele sendo furado todo dia, um monte de exames. Eu só sabia da doença por televisão e os médicos falam muito pouco e você mal entende. Já não tinha mais comando, você fica passiva” . Na realidade, Arthur nunca machucou o pé. Um dos sintomas da leucemia são dores ósseas. No período em que o pequeno sentiu as dores nos pés, ao espirrar gritou de dor e reclamou de dor no quadril e Michelle relembra “Como era leiga nesse assunto não achei que fosse ter relação com o pé”. Diante de toda a situação sentia que estava perdendo a fé. Saiu do trabalho e ficou junto com seu filho. Estaria isolada se não estivesse acompanhada de amor e força. Uma das medidas que os médicos pedem é o pouco contato com outras pessoas, nada de tumulto. “Foi difícil a confiar nos médicos, a ter fé em Deus, porque minha fé foi abalada. Como Deus pode permitir isso? Minha vida virou de cabeça pra baixo. Nunca mais consegui dormir a noite toda, acordo e fico assustada lembrando de tudo”.  Atualmente Arthur está na fase final do tratamento. As quimioterapias são orais e a cada dois meses tem uma mais invasiva a mãe comemora “Hoje acredito fielmente que ele está curado”.

Na história do câncer de José havia nódulo nos dois lados do fígado. Ele entrou em um protocolo de alto risco. Foram várias sessões de quimioterapia e foram para São Paulo para José fazer um transplante de fígado. A mãe dele, que também chama Amanda, foi a doadora. Na primeira sessão, José teve perda de apetite e ficou mais fraco. “O protocolo de quimioterapia dele era bem pesado”. Apesar do tratamento intenso, não mediam esforços para manter um ambiente feliz para José. “Aos poucos, ele foi entendendo o que tava acontecendo. Dizia que estava curando um dodói”. Até a cura, o caminho foi longo.

Elas por Eles  

Desde que descobriram o câncer, Amanda Lapa. não se deu tempo para lamentar ou parar para chorar. Engatou uma série de providências e descobriu que se ocupar com o tratamento da filha era o único caminho, a única responsabilidade do dia.. Largou o que tinha que largar. Se despiu de tudo que era vontade própria, para ser toda da sua filha “Quando eu vi que ela poderia falecer, foi quando eu comecei a aceitar uma morte. Ela tava indo pro alto risco. Tinha a chance de olharem pra mim e falar que não tinha mais o que fazer e isso eu sairia no lucro porque ela estaria viva”. Durante toda a conversa para esta reportagem se mostrou de uma força até difícil de mensurar. Sobre os s momentos mais difíceis, ela também  não se abala. Não parece que tinha o “peso do mundo” nas costas. Mas nem todos os momentos são de força .. Pela primeira vez na nossa conversa, ela chora. E mesmo assim não é um choro sofrido. É um choro de gratidão.  Ela chora apenas quando lembra do momento em que foi amparada pela filha “Eu tava em casa com ela e chorei. E ela veio e falou: ‘Mamãe não chora, acabou’. Porque eu fazia isso com ela quando ela chorava e estava com dor. Ali eu percebi que não precisava de mais nada. Eu estou por ela do mesmo jeito que ela está por mim”.

Por ser mãe tão jovem, Amanda conta que um dos desafios foi se sentir respeitada por médicos. “Não me davam explicação porque eu não ia entender. Era meio que: ‘deixa pra lá. Vamos só fazer’.E eu ainda não tinha muita lábia para argumentar. Hoje eu tenho.’’

Amanda entrou em um curso preparatório “Tinha de medicina e eu entrei e comecei a fazer aula”.

No caso de Michelle, também  nunca deixou de sofrer “Na realidade, me sinto fraca, às vezes preciso chorar muito pra aliviar a dor, por fora pareço forte, por dentro estou destruída. Essa doença é horrível, nada é 100%. A chance de cura é de 80% dos casos, é grande, mas nunca deixei de sofrer pelos 20% que não conseguem”.  Mesmo questionada, sobre ela Amanda P. não consegue deixar de lembrar o triunfo do filho: “Me descobri uma pessoa mais serena dentro do possível, mas a vitória mesmo e transformação foi dele. Tenho um orgulho enorme do meu filho”.

Recursos

O Desespero. Medo. Noites mal dormidas. Rotina feita de sentimentos e compartilhada. Mães se juntaram e se uniram no pior momento de suas vidas. Amanda L. percebeu que as mães só se encontravam no hospital e iam embora “Decidi criar um grupo no whatsapp. A gente vai compartilhando as nossas dificuldades”. Coisa tão simples que virou mais que uma rede de apoio. “Trocamos informações, dicas de alimentação, choramos juntas, damos força uma pra outra. Como as crianças estão em fases diferentes de tratamento vamos dando dicas do que pode acontecer, dos efeitos dos remédios e quimioterapia”. Amanda Lapa resume: “a gente se ajuda”.  

12.500 crianças

No Brasil, o Inca estima que em 2018 ocorram mais 12.500 novos casos de câncer infantil.

Os óbitos por câncer entre crianças e adolescentes (de 1 a 19 anos) correspondem à segunda causa de morte. Esse padrão só se diferencia na Região Norte, onde ocupa a quinta posição.

A médica oncologista Janaina Leite Jabur alerta para alguns dos possíveis indícios: “Os mais comuns dessas doenças são dores de cabeça pela manhã associadas a vômitos, caroços no pescoço, axilas, virilha e ínguas que não somem, dores nas pernas que atrapalham as atividades da criança, manchas pelo corpo, aumento da circunferência abdominal”.

Para a  profissional, as campanhas de conscientização são muito importantes. “Ajudam a população a identificar os sintomas. Com a descoberta precoce, aproximadamente 70% dos casos da doença podem ser curados se tratados adequadamente. “É preciso saber reconhecer os sintomas para não ficar indo de médico em médico escutando eles falaram que é virose. Infelizmente os sintomas são facilmente confundidos”, desabafa Michelle.

Onde procurar ajuda

A Secretária da Saúde do Distrito Federal informou que o paciente diagnosticado com câncer é encaminhado para atendimento especializado, onde passará por avaliação médica para definir o melhor tratamento para o caso. O Hospital da Criança de Brasília oferece atendimento em oncologia pediátrica.

A Casa do Menino Jesus é uma entidade social que fornece apoio a famílias de crianças com câncer. Famílias de outras cidades que buscam tratamento em Brasília. Nasceu há 27 anos e vive exclusivamente de doações. Mais de 5000 crianças contaram com a ajuda da casa. Quem quiser contribuir com o projeto pode entrar em contato pelos telefones (61) 3384-1517/ 3385-6317 ou pelo e-mail: casadomeninojesus@gmail.com. Visitas também são bem-vindas. A Casa do Menino Jesus fica na EQ 14/18, no Setor Oeste do Gama. Se preferir, a conta para doações é: Banco do Brasil / Agência: 1239-4/ Conta-corrente: 5212-4.

O GRAACC em São Paulo, recebeu mais de 6 mil e quinhentas crianças e adolescente nos últimos 26 anos. Atendendo crianças e adolescentes de todo o Brasil 40% deles vêm de fora da capital paulista. A maior parte dos pacientes do GRAACC encontra-se na faixa etária de 0 a 10 anos. O Hospital recebe, em média, mais de 300 novos pacientes com câncer de alta complexidade por ano, com chance média de cura de 70%. Possui contratos de prestação de serviços médico-hospitalares com diversas operadoras de saúde.Para encaminhar um paciente para o Hospital é preciso entrar em contata com qualquer posto de saúde da cidade de São Paulo e solicitar o encaminhamento. Para agendar sua consulta ou exame, entre em contato com o Serviço de Atendimento do Cliente (SAC) do GRAACC pelo e-mail sac@graacc.org.br ou pelo telefone (011) 5080 8400 Cerca de 90% do atendimento realizado pelo Hospital do GRAACC é proveniente do SUS – Sistema Único de Saúde.

Por Gabriela Bernardes

Matéria publicada em dezembro, na Revista Esquina.