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Hora de recomeçar: pessoas em situação de rua ganham novas chances

População pode receber benefícios como excepcional e vulnerabilidade

“Meu grande sonho é me tornar uma mulher de Deus, mãe, esposa, ter uma casa para cuidar e dar conforto para os meus filhos.” É assim que Micaellen Regina Soares da Silva, de 31 anos, projeta o futuro ao lado do marido. A mulher estava sorridente com a entrega do almoço oferecido pelo Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua, mais conhecido como Centro Pop, em Taguatinga Norte (DF). “Eu já sofri violência por ser mulher, principalmente quando se usa droga”. Sobre a vulnerabilidade da mulher ela conta que o mais difícil é se proteger, pois faltam saídas e são violentadas. Hoje, ela já mora em uma casa de recuperação para usuários de drogas, em Santo Antônio do Descoberto (GO), a 47 quilômetros de Brasília, e vende balinhas para poder se sustentar.

A história de Micaellen se repete com mais de três mil pessoas que vivem nesse mesmo cenário, de acordo com a Secretaria de Estado do Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (SEDESTMIDH). Segundo o último censo (2010) da População em Situação de Rua do Distrito Federal, 76,4% da população utiliza algum tipo de política social. A secretaria é responsável pela execução de diversas políticas de assistência social, transferência de renda e segurança alimentar e nutricional para minorias. O órgão é encarregado pelo funcionamento do Centro POP, unidade pública que oferta serviço especializado para pessoas em situação de rua. O acesso aos benefícios se dão de forma espontânea pelos usuários ou pela abordagem social. Além disso, o centro de referência oferece refeições, cursos, banheiros, locais para lavar roupa, guarda de pertences e atendimento social e psicológico.

Distribuição de almoço no Centro Pop em Taguatinga

EM BUSCA DE UM LAR

A população que deseja sair da situação de rua pode receber benefícios. Para conseguir os auxílios, é necessário recorrer ao Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) ou Centro Pop mais próximo e se cadastrar em programas Sociais do Governo Federal (o CadÚnico). Existem dois tipos de auxílio: o excepcional e o de vulnerabilidade, que são mais populares. O primeiro é destinado ao pagamento de aluguel, dividido em seis parcelas de R$ 600 e é concedido mediante comprovação. O segundo tem caráter provisório e só pode ser pago em no máximo seis parcelas de R$ 408, por ano. Além desses, o governo também oferece assistência financeira por meio do Bolsa Família e do DF Sem Miséria.

O morador,em busca de vagas, deve procurar uma das unidades de acolhimento. Os interessados serão encaminhados para um dos três abrigos públicos localizados no Areal (em Águas Claras) e em Taguatinga (há dois na região), ou uma das cinco entidades conveniadas instaladas nas regiões administrativas do Gama e de Sobradinho.

Edilson Teixeira, 24 anos

Edilson Teixeira, 24 anos, é um desses casos que recebe o auxílio financeiro excepcional. “Eu fui contemplado a participar desse projeto e eu saí das ruas sexta feira 13, para muitos é mais um dia ruim mas para mim foi um dia bom” destacou. O rapaz que nasceu em Goiânia, vivia nas proximidades do no Hospital Regional de Taguatinga (HRT). Ele desabafou que corria risco a todo momento. “A gente não dorme. A gente vegeta”. Edilson ficou quase um ano em situação de rua. Mas hoje, reside na M Norte, setor de Taguatinga (DF), e vê no benefício uma chance de recomeçar. “Eu optei por uma melhora de vida, para mudar essa minha história”, afirmou.

Ronievon Rosa da Silva, 33 anos

Ronievon Rosa da Silva, de 33 anos, sofreu um acidente vascular em 2012. Foi vítima de um aneurisma e ficou impossibilitado de trabalhar. Ele perdeu a visão total de um olho e parcial do outro. No Centro POP, encontrou um novo caminho. Funcionários do órgão conseguiram o direito à aposentadoriapor invalidez. Ele passou dois anos em coma. “Ninguém me via. Mas a partir da hora em que eles (os servidores do Centro Pop) começaram a me enxergar eu não precisei de clínica nem nada, só do apoio e amor deles”.
“Preferia sofrer a fazer minha mãe chorar e hoje minha família voltou a morar comigo”. Ronievon Rosa mora em Brazlândia. “Só com a minha renda cuido dos meus pais, minha irmã, meu cunhado e meus seis sobrinhos”, afirmou.

PEDAL CIDADÃO

Bicicletas restauradas para o projeto Pedal Cidadão

Um dos eventos organizados pelo Centro POP é o passeio ciclístico que ocorre no dia 19 de agosto, Dia Nacional de luta da População de rua. O idealizador do projeto Pedal Cidadão é Wendell Viana, que promove a qualificação de pessoas em vulnerabilidade para serem mecânicos de bicicleta. Detalhe: eles ainda ficam com a bike.

Wendell Viana, precursor do projeto Pedal Cidadão

A primeira edição aconteceu em 2017 e contou com a participação de 100 pessoas. As bicicletas são adquiridas por meio de ofícios enviados para delegacias. A população também pode contribuir com doações para o projeto. Grande parte das bicicletas que chegam no Centro encontram-se em mal estado de conservação e por isso é necessário reformá-las. “São três os motivos do projeto. O primeiro é dar mobilidade para as pessoas que frequentam o Pop, ensinar as pessoas interessadas, uma profissão que é a de mecânico de bicicletas e a segunda é tirar as bicicletas empilhadas das delegacias e colocá-las de volta nas ruas”, explicou o Wendell Viana. As doações para este ano já podem ser feitas no POP de Taguatinga e além de bicicletas, podem ser doadas ferramentas e materiais de oficina mecânica.

Willian Rodrigues da Silva, 23 anos

Willian Rodrigues da Silva, 23, nasceu no Maranhão e veio estudar em Brasília aos 16. Aos 20 anos, o jovem começou a trabalhar como ajudante de pedreiro. Por frequentar o Centro Pop, Willian Rodrigues conheceu o projeto Pedal Cidadão, se interessou em aprender uma nova profissão e sonha alto. “Eu aprendi ‘um bocado’” de coisa aqui e agora eu sei montar as bicicletas. Com essa oportunidade, eu tenho vontade de montar uma oficina.”

Nesse contexto, a professora de sociologia política Ana Lúcia Figueiró, pesquisadora do tema, explica que é fundamental o investimento do governo em políticas sociais. “O fortalecimento da cidadania para a transformação da condição de indigência no Brasil é essencial. Assim, os serviços e bens públicos podem chegar aos que mais deles necessitam de forma universal e não discriminatória”, esclareceu.

O preconceito da sociedade -para com esse público- se perpetua porque o conceito de meritocracia está -inserido- na -sociedade, criando assim uma visão limitada da pobreza.

“Está implícita a ideia de que depender do Estado é algo ruim e negativo. Essas ideias reforçam de maneira bastante perversa e até perigosa, a ideologia de que são os indivíduos, dotados de vontade e determinação, os responsáveis pela resolução dos seus próprios problemas e, consequentemente, culpados seus fracassos”, explicou a socióloga.

Condições de trabalho

O Sindicato dos Servidores da Assistência Social e Cultural do GDF (Sindsasc) iniciou uma greve dia 26 de fevereiro, reivindicando 13 demandas, que incluem melhorias das condições de trabalho e encaminhamento de concurso público. Durante a greve, o atendimento básico nos centros de atendimento não foi interrompido. A paralisação durou 84 dias e foi encerrada na última sexta-feira (26), por ordem judicial.

O presidente do sindicato, Clayton Avelar, explica que a greve não é só sobre reivindicar as garantias dos servidores, mas também das minorias. “A nossa greve também é em defesa dos direitos do povo, da população que atendemos. Mesmo quando nós não estamos em greve, com muita frequência, os direitos dessa população são violados”, afirmou.

Diante das dificuldades, o presidente elencou como uma das principais o atraso do prazo de verificação de auxílios para a sociedade. Clayton Avelar exemplifica que, nos casos de auxílio vulnerabilidade, o correto é conceder em até 30 dias limites, mas muitas vezes demora de cinco a seis meses. O servidor afirma que muitas vezes o orçamento da secretaria não é respeitado. “Toda política pública possui um custo e nós entendemos que esse custo não é um gasto, mas um investimento em pessoas”, criticou.

Presidente do Sindsasc, Clayton Avelar, afirma que o orçamento da secretaria não é respeitado. Confira:

Vídeo: Rafaela Garcêz I Edição: Dener Nóbrega

“Todos acreditam no futuro da nação”

“Meu maior sonho é aceitar a Deus, não pagar aluguel e viver uma vida digna junto com uma mulher que me faça feliz”, revelou Edilson Teixeira. O jovem tem esperanças de um futuro melhor. Com o apoio de Wendell Viana, criador do projeto Pedal Cidadão, encontrou um ponto para recomeçar “Essa oficina me modificou muito, e estou dando o meu melhor e estou feliz em ajudar o próximo.”

Por Isabela Guimarães e Rafaela Garcêz (texto e fotos)