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Jovens deputados são promessas de renovação da política brasileira

As eleições de 2018 mudaram a face do parlamento brasileiro. Com o índice de renovação de 47,37%, a Câmara dos Deputados se rejuvenesceu. Um em cada cinco dos 243 novos deputados eleitos tem até 35 anos. Foi o maior índice de renovação que o Congresso Nacional já presenciou desde a redemocratização. Além de rostos inéditos no meio político, o número de congressistas sem carreira na área aumentou expressivamente. Os políticos tradicionais não conseguiram, com tanta eficiência, mobilizar os pleitos eleitorais e abriram brechas para novos atores ocuparem os espaços decisórios.

Jovens parlamentares sem famílias políticas conquistaram espaço nas casas legislativas, tais como Kim Kataguiri (DEM-SP), 23, Sâmia Bomfim (PSOL-SP), 29, Tábata Amaral (PDT-SP), 25, Thiago Mitraud (NOVO-MG), 32, e Felipe Rigoni (PSB-ES), 27. Eles são exemplos da renovação do congresso, antes ocupado por verdadeiras dinastias políticas. Agora, surge espaço para novas vozes.

Conheça o perfil dos deputados no site da Câmara

 Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, de 2014 para 2018, a participação de jovens de até 34 anos subiu de 49 para 61 na Câmara Federal.

  O uso expressivo das redes sociais também foi uma das características marcantes das eleições de 2018. Além de ser uma ferramenta prática e abrangente em um país de dimensões continentais como o Brasil, fazer campanha por meio de aplicativos de mensagem e redes sociais é mais efetivo e barato do que mobilizar caravanas pelas cidades e interior do país. É o caso de Felipe Rigoni e Thiago Mitraud.

  O deputado do PDT, Felipe Rigoni, explica o uso das redes sociais em sua campanha: “eu fui o candidato que mais investiu em rede social. A gente apostou, pois sabíamos que ia dar certo. O mundo jovem está voltado para isso. Hoje eu uso um aplicativo chamado ‘Nosso Mandato’, que apresenta as leis e os processos que eu acompanho”conta o deputado.

  Para o deputado Thiago Mitraud do DEM-MG, o Congresso deveria ser um reflexo de como está estruturada a sociedade: “aquele perfil de velho de cabelo branco que já está a décadas na política não representa a sociedade. Então, quanto mais espelhado o Congresso for na sociedade, melhor. É importante ter isso representado demograficamente. Se a sociedade tem várias pessoas com seus 20, 30 anos, o Congresso também precisa ter”, afirma.

  O professor Marcos Ianoni, do departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense, atribui a renovação a uma crise do sistema político. “Existe uma crise do sistema representativo que envolve os partidos políticos e seus respectivos representantes escolhidos pelo sistema partidário. Essa crise vem de longa data, porém nos últimos anos no Brasil — em função do modo como foi abordada a questão da corrupção — essa crise se exponenciou e isso simulou a emergência de uma nova direita, então uma grande parte desses jovens pertence à nova direita”.

  Segundo o professor, a renovação reforça uma tendência que já existia antes de 2014 de insatisfação com o sistema político representativo. “A política em si passou a ser associada como uma atividade criminalizada. Jogou-se tudo no mesmo saco, como se política e corrupção fossem a mesma coisa. Isso gerou uma onda de insatisfação que buscou a renovação como alternativa”.

Em entrevista, Thiago Mitraud e Felipe Rigoni contaram como foi a recepção no congresso e o que pensam sobre a renovação das casas legislativas. Confira na íntegra das entrevistas:

Thiago Mitraud (Novo-MG), 32 anos

“Não basta ser novo em idade, tem que também ser novo em pensamento.”

Deputado, você sempre quis seguir carreira política?

Não, na verdade foi um caminho que eu segui naturalmente. Sempre gostei de me sentir útil e aproveitar bem meu tempo. Por isso fui do grêmio estudantil no colégio, participei de empresas juniores e presidi o Movimento Empresa Júnior, depois a Fundação Estudar. Tomei a decisão de entrar para a política há um ano mais ou menos, dada a situação do país que estávamos vivendo. Decidi entrar nesse meio, visto que estávamos insatisfeitos com as figuras políticas que nos representavam.

Você foi bem recebido no Congresso?

É um processo que está em curso há pouco tempo. Tem muita gente nova, está todo mundo entendendo como funciona, como podemos ser mais efetivos. Meu viés tem sido buscar como eu posso atuar de forma mais efetiva. A receptividade foi super bacana. Óbvio que quem está lá há mais tempo sabe melhor como funcionam as coisas, conhecem os colegas e os funcionários e isso sempre ajuda.

E como você, que nunca esteve envolvido com política, conseguiu se eleger? O que acha que influenciou esse resultado?

Conseguimos posição de destaque no Novo, que é um partido, como o próprio nome diz, novo também. Para conseguir espaço nos partidos tradicionais é mais difícil. A dificuldade é que nosso partido ainda é muito pequeno, então algumas coisas ainda não conseguimos fazer. Mas o anseio que se tinha de parte da população era de ter pessoas novas e diferentes, tinha muita gente de fora da política entrando e tinha uma demanda de fora da população por isso, quem conseguiu se expor suficientemente como alternativa às figuras políticas que o povo já estava cansado conseguiu se eleger.

Você usou muito da internet na sua campanha?

Também, bastante, um pouco de tudo. Formei redes de voluntários, fiz muitas palestras em universidades, mas também usei bastante internet, facebookwhatsapp, disparo de e-mails, conteúdo para ser replicado, é difícil atribuir o que veio de cada canal, mas sei que a internet teve bastante influência.

O que você acha da renovação do Congresso? Antigamente, a maioria dos congressistas eram bem mais velhos, com muitos anos de política, e esse cenário mudou com as eleições de 2018. O que significa essa renovação?

Eu acho que o Congresso deveria ser um reflexo de como está estruturada a sociedade, aquele perfil de velho de cabelo branco que já está a décadas na política não representa a sociedade. Então quanto mais espelhado o congresso for na sociedade melhor. É importante ter isso representado demograficamente. Se a sociedade tem várias pessoas com seus 20, 30 anos, o congresso também precisa ter. Outro aspecto é ter as ideias novas, não basta ser novo em idade, tem que também ser novo em pensamento.

Felipe Rigoni (PSB-ES), 27 anos

“Eu não fiquei conhecido como o menino cego. Eu fiquei conhecido como o menino que estudou para ser político.’’

Você sempre quis seguir a carreira política?

Não. Na verdade, eu sou formado em engenharia de produção. Na época da faculdade eu participei da Empresa Júnior. Eu cheguei a ser o presidente da Brasil Júnior. Nessa época me despertou um olhar muito forte para grandes movimentos de gestão de pessoas. Eu abri um escritório de coaching de desenvolvimento humano. Apesar de gostar muito do meu trabalho, percebi que se eu quisesse ter uma relevância profunda nas pessoas eu deveria mudar a qualidade e a quantidade de oportunidades que chegam às pessoas, e não as tomadas de decisões. Primeiro, me candidatei a vereador, em 2016, e não fui eleito. Decidi estudar políticas públicas em Oxford por um ano, aos 26, depois fui eleito deputado federal em 2018.

Você foi bem recebido no Congresso?

Fui super bem recebido por todos. Deputados, servidores da câmara. Eu tive impressões positivas e negativas. A positiva foi a qualidade e o preparo das pessoas que trabalham aqui.  Se você tem uma profundidade técnica nas coisas, nos estudos, você ganha visibilidade, que é o que acontece comigo. O negativo é que o grande número de demandas e falta de planejamento e de foco atrasa os processos.

Em algum momento a deficiência visual dificultou o seu processo de eleição?

De eleição, não. Sempre tem alguma resistência. Na campanha, me perguntavam se eu seria capaz, devido aos documentos. Mas nada sério. Eu não fiquei conhecido como o menino cego. Eu fiquei conhecido como o menino que estudou para ser político. Eu fiquei reconhecido por isso.

E como você, que nunca esteve envolvido com política, conseguiu se eleger? O que acha que influenciou o resultado?

Obviamente foi difícil, mas não sei se caso eu estivesse envolvido antes teria mudado. O que influenciou foi o fato de eu ser fora da política e eu querer gerar uma mudança na política.

Você usou muito da internet na sua campanha?

Usei muito, muito mesmo. Eu fui o candidato que mais investiu em rede social. A gente apostou, pois sabíamos que ia dar certo. O mundo jovem está voltado para isso. Hoje eu uso um aplicativo chamado ”Nosso Mandato”, que apresenta as leis e os processos que eu acompanho. Eu sempre sei o que as pessoas que me acompanham acham. Elas podem sugerir projetos de lei, comentar o que votei e interagir comigo. O aplicativo foi criado por Gabriel Azevedo, vereador, e todos nós usuários estamos sempre aperfeiçoando ele.

O que você acha da renovação do Congresso? Antigamente, a maioria dos congressistas eram bem mais velhos, com muitos anos de política, e esse cenário mudou com as eleições de 2018. O que significa essa renovação?

De fato, houve uma parte dessa renovação qualificada — pessoas que querem mesmo renovar e pensam diferente do que havia antes. Esse pessoal eu acho que vai acabar dando uma nova cara para o congresso. Já outras pessoas vieram na onda, mas não estão renovando. Tem gente que veio na onda que é preparada e tem gente que não é. A parte de renovação qualificada, eu acho que terá um impacto muito grande, um papel muito importante no nosso país. Estou vendo esse impacto no nível de trabalho do pessoal e na quantidade de trabalho. Já vi servidores comentando que nunca viram o pessoal trabalhar tanto quanto hoje.

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Está esperançoso pelo futuro do Brasil?

Estou, lógico. Se você não é esperançoso pelo futuro do Brasil você não pode ser político. Só se for político corrupto. É necessário ter uma natureza esperançosa para fazer isso que fazemos.

Eu acho que a esperança vem da ação. A esperança vem daquelas pessoas que estão agindo, que estão trabalhando bastante. E é isso que eu tenho visto, então eu estou muito esperançoso mesmo.

Por Beatriz Roscoe e Júlia Morena