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Operários da liberdade

Aos 37 anos, K. S. A. vem batalhando por um lugar ao sol. Não é por menos. Passou boa parte de vida, metade dela, entre as celas escuras de um presídio. Há cerca de dois meses o interno do Centro de Progressão Penitenciária (CPP) tem a oportunidade de trabalhar ao ar livre, prestando serviços ao governo do Distrito Federal. É um dos reeducandos do regime semiaberto ou domiciliar que atuam como voluntários nas várias atividades de manutenção de parques, pracinhas, escolas, meios-fios, hospitais, serviços de ruas e jardinagem no DF.

“Quando entrei para o CPP, me ofereci como voluntário. Estou gostando porque não tem preço se sentir útil”, conta o detento, desde março ajudando na reinstalação de um playground a céu aberto no Parque Ecológico de Águas Claras, dentro da ação do governo Ibaneis Rocha, o SOS Parque, uma extensão do programa SOS DF. “Se tudo der certo, saio em cinco meses e vou continuar minha vida, começar do zero”, planeja, sonhando em deixar o sistema prisional empregado, ou seja, reintegrado à sociedade.

Esse é um dos objetivos da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap): incentivar a ressocialização de detentos. Desde 2011 na ativa, a iniciativa tem rendido bons dividendos para o GDF e à sociedade por meio de uma parceria que tem se mostrado benéfica para ambas as partes.

Escolhidos dentro de suas atribuições e talentos individuais – a partir de atividades que vão desde carpintaria, pintura, iluminação, alvenaria, mecânica, serrilharia e outras habilidades –, esses operários da liberdade têm ajudado na revitalização da cidade por meio de diversas intervenções urbanas que envolvem várias secretarias e administrações regionais.

“É muito bom para a sociedade porque ela ganha em serviços prestados em nome do GDF. Serviços rápidos, sem burocracia de licitação e baratos. Para os reeducandos, é uma oportunidade singular de ressocialização porque são estimulados na vontade de trabalhar e de servir, buscando a inclusão do mercado”, avalia Deuselita Pereira Martins, diretora-executiva da Funap.

Ajuda extra
Segundo estimativa da Funap, aproximadamente 90 internos em cumprimento de pena no regime semiaberto participam voluntariamente desse projeto que ganhou o nome de Mãos Dadas. Quem adere ao acordo amparado pela Lei de Execução Penal (LEP) é beneficiado com progressão da pena. Três dias de trabalho equivalem à remissão de um dia na condenação. São escolhidos os voluntários que apresentam boa conduta de comportamento e que estão aptos à socialização, mediante a avaliação psicológica.

“Existe um processo, muitos fazem esse trabalho voluntário na expectativa de ter um contrato formal com a Funap, que os beneficiam com a remissão de pena”, conta a diretora executiva da instituição. “Desses que participam do projeto Mãos Dadas da Funap, por exemplo, 50% são reintegrados à sociedade”, festeja Deuselita Pereira.

Chefe da manutenção dos parques do DF, o servidor do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) Saulo Guilherme de Freitas conhece de perto o trabalho de ressocialização conduzido pela Funap. Isso porque, há dois anos e meio, ele é responsável por um contrato que inclui 15 detentos do Centro de Progressão Penitenciária (CPP). Para ele, a mão de obra extra vinda dessa parceria é um ganho tanto quantitativo quanto qualitativo nas demandas atendidas pelo GDF dentro do programa SOS DF.

“Quando eles estão na rua prestando um serviço para a sociedade, são trabalhadores como qualquer outro, não sofrem discriminação, nem distinção”, observa Saulo. “Dentre aqueles que se oferecem como voluntários, muitos são profissionais, sabem fazer as coisas, têm disposição, o que é um ganho muito forte. Alguns são verdadeiros artistas no seu ofício”, observa.

No grupo que vem ajudando na reestruturação do parquinho infantil de Águas Claras, o trabalho é intenso desde meados de março e mereceu elogios do secretário de Meio Ambiente do DF, Sarney Filho, durante uma visita do gestor no último dia 18. Desde então, os detentos operários construíram uma caixa de areia, cercaram o local com tela de arame a área, drenaram o espaço, cuidaram da iluminação e fizeram uma calçada, serviço em que H. C. M., 40 anos, é um craque.

“Assentar pedra e fazer calçamento foram coisas que projetaram o meu trabalho”, diz, orgulhoso, o reeducando, que cumpre pena domiciliar remunerada por bolsa que pode variar de R$ 530 a R$ 1.100, além de auxílio alimentação e vale transporte para os que estão nesse regime. Os valores variam de acordo com a especialidade de trabalho de cada um e o grau de escolaridade. “Esse trabalho é um estimulo porque a gente vê que serve para alguma coisa apesar de a gente ter saído da cadeia. É uma porta que se abriu para mim, estou voltando para a sociedade”, torce.

Compromisso social
Ver uma pessoa que um dia errou na vida fazendo parte novamente da sociedade por meio da inclusão social, ou seja, via mercado de trabalho, não tem preço. É um compromisso que enche de prazer Saulo Guilherme de Freitas. “Para mim, essa experiência é um enriquecimento pessoal muito grande porque eu conheço a história de alguns deles. Muitos são trabalhadores, gente de fé que, a partir de um vacilo, acabaram tendo prejuízo na vida”, destaca o servidor, que chefia a manutenção de 18 parques do DF. “Os reeducandos são pau para toda obra. Sem eles o meu trabalho e o da minha equipe não aconteceria com tanta agilidade”, garante.

A Funap mantém contratos com cerca de 70 instituições. Desse montante, apenas três são privadas. “A iniciativa privada deveria, até por uma questão de economia, abraçar mais essa iniciativa. Não aposta por falta de conhecimento do projeto”, comenta a diretora-executiva da Funap, Deuselita Martins.