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Perfil: conheça o “ministro” da foto do ex-presidente Figueiredo

Roberto Stuckert, hoje aos 74 anos, coleciona histórias que vão além das imagens que registrou. Bastidores com o último dos presidentes militares mostram como o retratista é valente

 

 “Chefe, eu quero uma foto Mona Lisa, quero sorrindo um pouquinho”.

– “Ah, que rir, coisa nenhuma. Eu sou o presidente!”, exigiu Figueiredo. “Eu sei chefe, mas calma, faz um sorrisinho, você tá muito sério, muito rude, muito durão”, pediu seu amigo e fotógrafo com cuidado.

 

O nome desse fotógrafo ousado é “Roberto”. “Dodô”, como é chamado pelos netos, “Pai”, pelos seis filhos. “Gordo”, pela mulher com quem é casado há 55 anos e “PT2GTI”, seu nome de radioamador, por amigos. Roberto tem muitos nomes, mas não são o que o define. O que o define é a imagem que ele construiu usando o sobrenome da família: Stuckert. Sobrenome que marca uma geração de fotógrafos e deixaria um marco na história da fotografia política. Roberto Stuckert conseguiu o que ninguém havia feito: a foto oficial de um presidente militar sorrindo. O final dessa história mudou a vida dele em 1979 (há 39 anos).

 

“Meu avô era fotógrafo. Meu pai era fotógrafo, de uma família de vários fotógrafos, e a minha família tem 100 anos de tradição da fotografia”. Eduardo Roberto Stuckert, Roberto Stuckert e Roberto Stuckert Filho. Sempre pensando em passar a profissão de pai para filho, Eduardo dizia que “Roberto Stuckert” era tradição da fotografia, então, passaria o nome como uma herança. “A fotografia, pra mim, tá no sangue”, disse.

 

Com latidos de cachorros ao fundo e a chuva amenizando o calor, Roberto Stuckert começa a contar seu dia-a-dia como repórter fotográfico com timidez no início. Mas, enquanto lembra o passado, as memórias trazem alegria e emoção de momentos marcantes de uma amizade além de um trabalho.

A grande oportunidade

No dia 15 de abril, Roberto escutou de Pompeu, chefe do Jornal Diário Carioca, a grande oportunidade da sua vida. “Você vai para Brasília preparar a reportagem da inauguração da cidade. Você está com quase 16 anos, que tal ser o chefe da fotografia?”. Ao aceitar a proposta, Roberto ganharia o dobro do salário que recebia no Rio de Janeiro.

Quando chegou à futura capital para trabalhar no Diário Carioca de Brasília, como ainda não existia hotel na cidade, ele teve de alugar uma das lojas comerciais da 307/308 sul para dormir.  “Eu dormia ali, num frio violento de Brasília. Dormia até coberto com jornal porque era muito frio. As cobertas não davam conta do frio”. Poeira e construção eram tudo que havia. A cidade tinha tanta poeira que ela virou souvenir para os turistas levarem em um pequeno vidro de volta para suas cidades.

Depois de passar por revistas como Manchete, Jornal Diário Carioca, Jornal do Brasil, Jornal de Brasília, Associated Press,cobrir a construção de Brasília e a Copa do Mundo na Alemanha, corridas em Montjuic, na Espanha, trabalhar na Radiobrás, fazer cobertura de viagens presidenciais com Médici e Geisel, além de ser freelancer; Stuckert ouviu de seu amigo uma notícia inesperada, e não podia contar para ninguém.

“É o seguinte, Stuckert, você sempre fez fotografias minhas e de toda minha família. Você é o único fotógrafo nesse país que tem minhas fotos pessoais e nunca me cobrou um centavo por alguma foto. Você foi uma pessoa fiel! Você vai para casa, vai escolher 40, 50 fotos boas minhas porque eu quero divulgar para imprensa’’, disse seu amigo.

“Mas o que houve, chefe?” perguntou, Roberto, confuso. “Geisel acabou de me chamar para ser o futuro presidente do Brasil e você vai trabalhar comigo”, afirmou João Batista Figueiredo. Roberto emocionou-se. A oportunidade de ser o fotógrafo presidencial era um grande salto em sua carreira. Os dois então escolheram as fotos e as divulgaram como era o plano e começaram assim a campanha do futuro presidente do país.

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De volta a 1979

A vida de dois amigos mudou quando Figueiredo assumiu a presidência e nomeou Roberto como oficial de gabinete, em diálogo que está na abertura deste texto. Passadas algumas semanas desde que o presidente assumiu, a revista Manchete ofereceu fazer a foto oficial do novo presidente. Figueiredo reclamava que ‘’Geisel ainda estava na parede” e Roberto ficou sem nenhuma outra opção a não ser facilitar o acesso do fotógrafo definido pela revista.

Após o fotógrafo da revista acabar com todos os rolos de filme e junto deles a paciência do presidente, Figueiredo comentou com Stuckert que já não aguentava mais. Após a discussão com Figueiredo, Roberto, então, revelou as fotos e guardou em seus arquivos, junto com as outras que já tinha do presidente. Quando as fotos produzidas pela Manchete foram reveladas, a equipe presidencial e Figueiredo não gostaram. Stuckert tentou solucionar o problema. “Eu tenho uma foto dele! O pessoal falou que não queria nem ver a minha foto, que a foto não era interessante”.

Nova sessão de fotos

Não foi uma noite como outra qualquer. O presidente havia tomado algumas doses de whisky e foi dormir de madrugada. Acordou tarde, e não teve tempo para sua sequência diária. Sua rotina era formada por acordar 4h, andar a cavalo, tomar banho e ir trabalhar. O fotógrafo da Manchete fez novas fotos e Stuckert revelou. Nelas, os grandes olhos avermelhados de Figueiredo penetravam quem encarasse de volta.

“Esses caras são incompetentes, é um absurdo! As fotos do Geisel estão na parede e eu sou o presidente, não tem uma foto minha.”

Nesse momento, Stuckert se ofereceu para resolver o problema. “Eu estava todo satisfeito, corri até meu gabinete emocionado, arrepiado, peguei as fotos, entrei no gabinete do presidente e projetei as minhas fotos”. Quando Figueiredo se viu rindo projetado, soube na hora que aquela era a foto. “Essa é a foto! Tá vendo? Vocês são incompetentes”, dizia à equipe do gabinete, “Stuckert, assina e a foto vai ser essa!”

“O senhor está vivo”

Anos 80. O presidente Figueiredo estava no Rio de Janeiro e Roberto via que ele estava passando mal, sentindo dores, colocava a mão sobre o peito. Decidiram então levá-lo a um hospital na Gávea. Chegando lá tomaram precauções para que o presidente não fosse reconhecido: colocaram-o em uma maca escondido, com a cara coberta por um lenço, e entraram na enfermaria. Até saírem os resultados dos exames, mandaram Stuckert de volta para Brasília.

Enquanto não saíam os resultados, ele se preocupava com o amigo. Stuckert gostava muito dele. Descobriram que havia sido um infarto. Uma semana depois, começou um boato de que o presidente estava morto e que o governo seria regido por outra pessoa, e Roberto teria de provar, com uma foto, que Figueiredo estava vivo.

”Quando eu cheguei no Rio, tava a imprensa toda sentada na porta do hospital. Aí quando entrei lá, o presidente estava usando aquela roupa de hospital. Na hora eu pedi para o ecônomo (militar que cuidava do dinheiro da presidência) sair e comprar uma roupa bem bonita e adequada porque ele é o Presidente da República”.

A busca continuou por um longo tempo. A imprensa do lado de fora apenas criava mais alvoroço até que Stuckert teve uma ideia. ”Chamei o chefe da segurança e perguntei se ele tinha alguma roupa a mais com ele, e ele falou que só tinha um kimono pois fazia lutas marciais. Então eu coloquei o kimono no presidente e comecei a fotografar ele com a dona Dulce (sua mulher).”

Depois de tirar algumas fotos, Figueiredo perguntou o que Roberto foi fazer lá, além de tirar fotos. “Eu respondi o que ninguém queria falar: tão dizendo que o senhor está morto e eu vim aqui para mostrar que o senhor está vivo”. Ao saber disso, Figueiredo mandou Stuckert preparar a máquina e fez o gesto de banana para ele fotografar.

“O presidente mandou eu fazer uma cópia e mandar para o Ulysses Guimarães, que na época era o grande adversário dele. Fiquei 30 anos com essa foto guardada no cofre”, sorri.

”Foto da minha vida”

A foto da banana foi um momento interessante na vida do fotógrafo, mas não foi o mais marcante de sua carreira. O grande momento foi a cirurgia de ponte de safena de Figueiredo nos Estados Unidos. A viagem foi organizada minuciosamente: mandariam uma comitiva grande para o país e só as pessoas de confiança viajariam. Foi comunicado que iriam até contratar seguranças do FBI para tomar conta do hospital, e que Stuckert não iria junto.

“O Presidente, num belo dia, perguntou sobre a comitiva que ia com ele e não viu o meu nome na lista. [Ele] reclamou porque meu nome não estava lá e fez questão de me incluir na viagem. Ele colocou meu nome, e eu fui”.

O presidente não gostava de receber visitas, só quem podia entrar no hospital era Roberto. Ele entrava com a máquina escondida no corpo, pois a lei americana condenava fotografar qualquer pessoa internada.

“No dia da operação do presidente, eu me toquei que era a foto da minha vida. Eu fazendo ele no centro cirúrgico, não tem outra, tem? Pra mim, ia ser a glória. Eu fechava todo meu ciclo de fotos”. Quando Roberto pediu uma roupa para entrar no centro cirúrgico, o pedido foi negado, pois a máquina poderia estar contaminada, mas que ele poderia tirar fotos do Figueiredo entrando no centro cirúrgico. É quando Stuckert vê seu amigo anestesiado em uma cadeira de rodas, entrando no centro cirúrgico para fazer a cirurgia.

“Ele estava indiferente, estático. Ele estava me reconhecendo mas já não estava com possibilidade de levantar a mão. E eu já tinha preparado algo pra falar pra ele ‘’o chefe, sucesso’’, qualquer coisa assim”. A enfermeira esperava para entrar no centro cirúrgico, e Stuckert esperava o amigo, com a máquina na mão e lágrimas nos olhos.“Eu fiz assim pra ele (faz um gesto de joinha) e o presidente respondeu com uma piscada de olho”.

Para Roberto, o momento mostrou a amizade de um homem com o outro. “Imagina aquele homem, meu amigo, Presidente do Brasil, na mão do médico americano, podia morrer! Ele entrou no centro cirúrgico, e não pode me saudar. Ele só piscou o olhinho e levantou um pouquinho a mão. Isso mostrou a amizade de um com o outro. Era uma amizade sincera”. A emoção do momento foi tão grande que ecoa até o presente. Roberto não aguentou contar sobre o episódio sem derramar mais algumas lágrimas.

Fidelidade

Quando o mandato do presidente Figueiredo acabou, ele perguntou para Stuckert o que ele queria, pois foi o único fiel a ele, o único homem em quem ele podia confiar de olhos fechados e um dos poucos que ficou até o final.

Tudo que Stuckert disse foi, “Presidente, tem uma coisa que você não sabe. Hoje você é Presidente, amanhã não é mais. Então hoje você me nomeia, amanhã eles me exoneram”. Dois ou três dias depois, Figueiredo voltou para o Rio de Janeiro após o fim de seu mandato.  Tancredo Neves, o próximo presidente, chamou Roberto para ser fotógrafo oficial novamente. Com firmeza, o fotógrafo recusou. ”Eu disse que fotógrafo da presidência só se é uma vez.’’

Por Letícia Silveira, da Revista Esquina

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira