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Sistema inovador de agricultura une preocupação com o meio ambiente e produtividade

Ao sair do Plano Piloto em direção ao Lago Oeste, sentido Sobradinho, a paisagem de prédios e de concreto é substituída por uma vegetação verde exuberante do cerrado em época de chuva. No caminho, são percorridas fazendas, cujos campos há muito tempo se desprenderam das raízes originais. Eis que uma placa e uma estrada de terra apontam para o Sítio Semente.

Reconhecido como fonte de inspiração para utilização dos Sistemas Agroflorestais (SAF) para agricultura, o sítio é destacado na região pela mancha verde em meio ao desmatamento da região. Em contrapartida aos grandes sistemas extrativistas, o Sítio Semente é referência em modelos alternativos de agricultura.

À primeira vista se percebe as grandes árvores e uma construção ao centro. É em uma sala ampla e sem muitos móveis onde ocorrem os cursos, oficinas e workshops sobre o sistema da agrofloresta. Um cachorro bebe água em uma grande bacia, enquanto um gato repousa sobre uma das beliches — utilizadas por aqueles que se hospedam no sítio em busca de conhecimento e conexão com a terra.

Do outro lado, ao atravessar a casa, é possível ouvir os barulhos do trabalho da lavoura. Seguindo, adentra-se às plantações, bem diferentes das que costuma-se ver ao longo de estradas. Em vez de extensos campos de monoculturas, várias plantas crescem juntas, lado a lado. Compartilham luz e território. Frutas, legumes e hortaliças se entrelaçam e formam a paisagem rara.

Guilherme Cardoso, 26 anos, nascido no ABC Paulista e agora residente do Sítio Semente conversa com os hóspedes que estão a aprender sobre o sistema revolucionário de tratar a terra e plantar. O lugar recebe entusiastas do mundo inteiro, dispostos a adquirir conhecimento e ver de perto o funcionamento de uma agrofloresta.

Enquanto ele fala, dá uma aula: “Um dos fundamentos (da agrofloresta) é o consorciamento entre as plantas. Na lógica da abundância, os plantios devem ser pensados de acordo com a filogenia (relação entre espécies). Pensamos nos estratos das plantas (emergente, médio, baixo) e no tempo de sucessão – ciclos rápidos ou mais demorados”, esclarece Guilherme.

Ao explicar, ele aponta para cebolas, repolhos, inhames, cenouras, tomates que crescem no mesmo espaço, sem separações por fileiras, categorias ou cores. ”É simples. É só se espelhar em um sistema que já é perfeito, que é a natureza. Outro fundamento é a cobertura do solo”, constata, pegando em suas mãos as folhas que estavam no chão, úmidas pela chuva de mais cedo. “Quando chove, a cobertura acumula água e não deixa que cause erosão. Isso aqui é o espelho do chão da floresta, que é cheio de matéria orgânica”, conta.

”É simples. É só você se espelhar em um sistema que já é perfeito, que é a natureza.” — Guilherme Cardoso, 26 anos

Nas pausas entre as explicações técnicas, ele colhe morangos e os oferece. As frutas vermelhas, doces e sem nenhum tipo de conservante são a prova de que toda a técnica se constata. Os produtos do sítio estão presentes em oito feiras, distribuídas pelo DF. Os alimentos provenientes da agrofloresta se diferenciam quanto ao tamanho, cor e sabor, devida a naturalidade com que são produzidos.

”Precisamos adaptar o consumidor. Tem aquele que ainda reclama de manchinha na banana ou bichinho no alface. Que bom que tinha uma lesminha, porque é sinal que não tenha nada que a mate”, explica Guilherme sobre os alimentos.

”Soberania alimentar para todos”

Um dos princípios da SAF é ser voltada para todos e, assim, evitar a elitização. O Sítio Semente é associado ao Movimento de Agrofloresteiros de Inclusão Sintrópica (MAIS), que cumpre o papel de disseminador da técnica ao trazer agricultores e produtores de verdade. Isto é, aqueles que fazem uso da terra para seu sustento.

Por meio da associação, os agricultores de pequeno porte recebem transporte e hospedagem no sítio, para que possam aprender diretamente na ‘“sala de aula’’, como diz Guilherme. ”O nosso papel é plantar. Fazer o agricultor realmente aplicar isso, em pequena, média, grande escala. E ter a soberania alimentar.”

Exemplo disso é o projeto apoiado pelo Banco do Brasil para a utilização da agrofloresta no Assentamento da Chapadinha, localizado no Núcleo Rural de Sobradinho, cerca de 50 quilômetros de Brasília. Lá reside a Associação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Assentamento Chapadinha (Astraf-DF), que faz uso de práticas agroecológicas para o sustento da comunidade.

Pioneirismo brasileiro

Foi após anos de estudo e testes de agricultura sustentável na Suíça, que Ernest Gotsch veio ao Brasil, em 1982, a convite de um amigo. A missão era recuperar uma terra devastada no interior da Bahia. Ao aplicar suas práticas de manejo da terra, adequadas àquela região, se desenvolve o que hoje é a técnica da agrofloresta.

Desde então, o cientista-agricultor planta pelo Brasil os frutos que tem colhido de seu projeto na Bahia. Projeto esse reconhecido como um símbolo de esperança, por fazer brotar 14 nascentes de água, onde antes só existia aridez. O local então chamado de Fazenda Fugidos da Terra Seca, foi rebatizado como Fazenda Olhos D’Água.

Sítio Semente ameaçado

Com os novos gestores no poder a partir de 1º de janeiro de 2019 e a fusão do Ministério da Agricultura com o do Meio Ambiente, Guilherme Cardoso se preocupa quanto ao futuro do Sítio Semente. Para ele, se não houver consciência em relação a terra e, sem proteção, o ambiente pode estar ameaçado.

“’Nós estamos em risco, porque se eles forem realmente perseguir as pessoas que estão querendo fazer a diferença, vai ser direcionado aos agrofloresteiros que são diferentes dos ruralistas. E a gente só querer dar soberania alimentar para as pessoas”, frisou.

Por Beatriz Roscoe e Júlia Morena

Sob supervisão de Isa Stacciarini