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Traficantes de classe média

São seis da manhã de uma quinta-feira. Da garagem de um dos prédios mais altos de Águas Claras saem dois carros de luxo. Um deles, dirigido por um advogado, segue para um dos grandes escritórios de advocacia de Brasília, o outro veículo segue para uma faculdade da Capital Federal. Esse é o início do dia de um traficante da classe média, conforme ele relata.

De 2016 a 2018, foram registradas, no Distrito Federal, 6679 ocorrências por tráfico de drogas. Um total de 52,2% desses crimes foi cometido por jovens de 16 a 24 anos. Embora os personagens desta reportagem não pertençam às classes desprivilegiadas da sociedade, os maiores números de apreensões de drogas no Distrito Federal vêm de cidades com mais carência de recursos, como o Recanto das Emas, líder em apreensões de maconha, com 1,1 toneladas apreendidas de janeiro a setembro deste ano.

Para o sociólogo Antonio Flávio Testa, existem diferenças de tratamento em prisões realizadas nas regiões administrativas da capital. “O tratamento na hora do prisão tende a ser diferenciado por conta de situações de privilégio. Depende do poder dos advogados do futuro ou não réu. De qualquer forma, o pequeno criminoso é o mais prejudicado”. Uma das evidências disso seria a visibilidade do crime. Para ele, a mídia trata também de forma diferente os casos que envolvem pobres daqueles que envolveriam universitários, por exemplo. “A mídia é racista. A maioria dos grandes criminosos são brancos”.

No caso do rapaz que buscava drogas em Recanto das Emas, de aparência comum, ele não chama a atenção e passa despercebido por quem não o conhece ou faz negócios com ele. Alto, cabelo escuro e desarrumado, olhos negros e barba sempre feita. No caminho da sala de publicidade e propaganda, ele conta que é parado algumas vezes. Ele diz que observa a movimentação nos corredores e, de forma rápida, entrega algumas gramas de maconha para dois clientes de longa data. “O pessoal daqui sempre compra a flor, a mais cara. Nada de prensado, eles têm grana”. O dia
mal começou, e ele já faturou pouco mais de R$ 100.

A manhã passa e ele faz outras entregas. Até o horário final da aula, alguns de seus “produtos” acabam, e ele já agendou entregas e encomendas para os próximos dias. “Os sintéticos eu só trago por encomenda. Nunca trago só por trazer. Já a maconha sempre tenho um pouco a mais, até porque sou usuário. E maconha nem é droga (rindo). No caminho de volta pra casa, um pouco depois do almoço, ele faz algumas outras entregas, a maioria pela região central de Brasília. No final desse dia, ele já faturou R$ 1250.

À tarde, descansa. Ele não faz estágios ou trabalha formalmente. Utiliza o tempo livre para estudar, realizar os trabalho da faculdade. Diga-se de passagem, é um excelente aluno, nunca reprovou em nenhuma matéria. Além disso, ele resolve os problemas da atividade ilegal. “Uma vez ou outra tenho que trazer os produtos, então tenho que ir em Goiânia ou lá no Recanto. Tento trazer o

máximo possível pra não gastar muito tempo com isso, e me dedicar mais nas entregas”.

No caminho de volta para casa, ele já quase foi pego. “Uma vez estava com 1000 comprimidos de ecstasy no carro, tinha acabado de buscar a encomenda. Ia entregar grande parte das drogas no dia seguinte, e ficaria com cerca de 250 comprimidos comigo, pra vender de pouco em pouco. No caminho pra casa, blitz… gelei… Pensei comigo mesmo: bom, não bebi, o carro tá com a documentação em dia, não tenho cara de bandido, traficante, se ele achar as drogas, foi o destino. O policial me abordou, pediu pra eu fazer o bafômetro. Fiz, tudo certo… ele deu uma checada no carro, inspecionou por alto… quando me liberou, foi um alívio.”

Condomínio de luxo

Cabelo raspado na máquina 3, pele morena, corpo malhado, bem cuidado. O rapaz, que parece ter uma vida normal, afirma que é um dos melhores distribuidores de maconha da região. Morador de um condomínio de luxo em Taguatinga, ele faz cursinho preparatório para vestibular, e diz que já vendeu mais de 10 tipos diferentes de maconha. “Se for sempre do mesmo, as pessoas enjoam, buscam algo novo. Então tô sempre inovando”. O jovem, que já distribuiu para seus “growers” (pessoas que recebem para cultivar e cuidar das plantas), sementes vindas da Jamaica, Califórnia e Holanda, me detalha como é o processo da venda.

“Não trago nada da venda pra casa. Meus pais sabem que eu fumo, e por eles tá tudo bem, mas não sabem que eu vendo. Tenho um parceiro de vendas, que mora sozinho, então tudo fica estocado na casa dele. Lá é o centro de distribuição. Tenho 3 growers que plantam pra mim. Eu forneço a semente pra eles, eles cultivam e fazem todo o processo de desidratação. Eu só pego o produto final, pronto pra venda. Igual esse aqui.” Explicou, ao me mostrar uma sacola com aproximadamente 100 gramas de maconha. “Busquei ontem e metade já está vendida”, confessa rindo.

Pergunto a ele o porquê de traficar maconha. Ele me responde que não faz por ganância, não se importa muito com dinheiro. “Claro que é bom ter essa renda extra, consigo repassar uma quantia legal aos meus cultivadores e ao meu parceiro. Mas o mais importante é fornecer maconha de qualidade pra quem quer utilizar a planta”.

Ele defende que apenas “auxilia” quem quer fumar e a consumir um produto de qualidade. “Quem fuma, não vai parar de fumar porque é legalizado ou não. O que poderia ser feito é o governo trazer quem quer tirar esse produto das mãos do tráfico. Sei que estou sonhando alto.” Ele me fala sobre um de seus clientes assíduos. “Tenho um cliente que sempre compra comigo, mensalmente, 75g, 100g. Ele já tentou de todas as formas conseguir autorização para tratar o filho com epilepsia, mas não consegue. Então ele faz o óleo de CBD (canabidiol) com a maconha que eu forneço. Aprendeu tudo na internet. Isso é uma boa ação”.

A Secretaria de Segurança Pública do DF disse não organizar informações com divisões sobre classe social. A Polícia Militar informa que é responsável pelo policiamento ostensivo e preventivo em todo o Distrito Federal. “O policial-militar é orientado para as abordagens em situações suspeitas de acordo com o tirocínio policial, quanto à ação criminosa, independente de classe social, raça ou credo.”

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Por Matheus de Luca

Matéria publicada em dezembro de 2018, na Revista Esquina.