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Unaí envolve a comunidade na luta contra o câncer

Os tijolos são colocados todos os dias desde 2016. Um a um. O cimento fresco se transforma em concreto aos poucos.  Hoje, já ganha forma de prédio de quatro andares. A construção ainda está em andamento porque tudo custa caro e precisa de doações. Como canta Chico Buarque na canção Construção: “tijolo com tijolo num desenho mágico”. De um sonho idealizado em 2006, esse desenho mágico vai saindo do papel. O cimento fresco se transforma em concreto aos poucos. Hoje, já ganha forma de prédio de quatro andares. A cidade de Unaí está empenhada na construção daquele que vai ser o primeiro hospital de câncer do noroeste mineiro.  Os representantes públicos negam que haja uma vinculação única entre o hospital e o número de vítimas das substâncias químicas. No entanto, a economia local é abastecida por grandes propriedades rurais.

De acordo com relatório da Subcomissão Especial Sobre Uso de Agrotóxicos e Suas Consequências à Saúde da Câmara dos Deputados, criada pela Comissão de Seguridade Social e Família, em 2011, a média de casos de câncer na cidade é superior à média nacional. 1260 casos por ano. Mas o que leva uma cidade a ter números tão elevados assim? Segundo o relatório, o grande vilão são os agrotóxicos, ou defensivos agrícolas, como preferem os agricultores. Unaí, por ter uma extensa área agrícola (o município é o terceiro maior de Minas Gerais), automaticamente seria um grande usuário de defensivos agrícolas, e que poderiam causar essa doença por contato direto de quem aplica o veneno, ou por quem consome o produto. No relatório, colocaram a culpa no feijão.

Frei Gilvander que denunciou o uso excessivo de agrotóxicos em cidades como Arinos, Buritis, Paracatu e Unaí, fez vários estudos, pesquisas, publicações e tese de doutorado sobre esse tema. Frei Gilvander cita o relatório da Câmara Federal que, segundo ele, comprova essa denúncia, e cita ainda outros estudos feito pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, da Universidade Federal do Ceará feito pela doutora Raquel Rigotto, cita ainda estudos feito pela Universidade de Brasília (UnB), e da Fiocruz, e o pesquisador sobre agrotóxicos e seus efeitos da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), professor Wanderley Antonio Pignate, também citado nos estudos e no relatório.

“Eu nasci em Arinos, no noroeste mineiro, e ao longo da vida fui percebendo as mudanças climáticas na região, como rios secando, o aumento do desmatamento e principalmente, o aumento no número de casos de câncer”, explica. Foi aí que Frei Gilvander percebeu que tinha algo de errado, e começou a pesquisar, caminhar por fazendas até descobrir o caso de uma senhora que afirmava que o feijão estava contaminado que agrotóxicos. Esse vídeo gerou muita polêmica quando foi divulgado.

Segundo o escritório de advocacia Ferrão advogados, especialista em direito ambiental, com escritório em Paracatu, Minas Gerais, é encontrado agrotóxicos em quase todos os produtos consumidos pelas pessoas. “Os agrotóxicos estão presentes em frutas, verduras, carnes, leite, bebidas, produtos industrializados e em quase tudo que compramos nos supermercados”, explica!

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. “Todo ano, consumimos o equivalente a mais de 7 litros de agrotóxicos por pessoa”, conta! Ferrão mostra dados explica que pesquisas recentes realizadas por órgãos como a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e Ministério da Saúde e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), apontam aquilo que muitos agricultores já perceberam: “agrotóxicos podem causar diversas doenças, como doenças neurológicas, problemas motores e mentais, distúrbios de comportamento, problemas na produção de hormônios sexuais, infertilidade, puberdade precoce, malformações fetais, aborto, doença de parkinson, endometriose, atrofia dos testículos e câncer de diversos tipos”, relata o especialista.

O hospital

O idealizador da construção do hospital do câncer em Unaí foi Miguel Ferreira Rodrigues. Em 2005 ele sentiu fortes dores de cabeça em casa, foi hospitalizado, e após exames, foi diagnosticado com câncer na próstata, bexiga, reto e bacilo. Sem ter um hospital de atendimentos para pessoas com câncer em todo o noroeste mineiro, Miguel tentou tratamento em Brasília, sem sucesso. Depois tentou em outras regiões mineiras, todas muito distantes de Unaí, até que resolveu ir ainda mais longe, procurando tratamento em Barretos, interior de São Paulo. Lá, no Hospital do Câncer de Barretos, conseguiu um tratamento digno, o que reacendeu suas esperanças, já que nos outros hospitais, os médicos davam poucos meses de expectativa de vida para ele.

Em 2006, durante uma das cansativas viagens para Barretos, Miguel fala para sua esposa Silvone Francisca de Oliveira: “Vamos construir um hospital em Unaí para atender pessoas com câncer de toda a região”, relembra Silvone. A partir daí, Miguel começou a procurar parceiros para a construção do hospital. Era um projeto ambicioso, que poderia parecer impossível, principalmente se tratando de uma cidade do interior. Mas Miguel tinha esse objetivo e foi em busca dele.

Ainda em 2006, após superar a fase inicial do tratamento, Miguel criou a ANMECC, Associação Noroeste Mineiro de Estudos e Combate ao Câncer, uma associação para orientar pessoas com câncer, na intenção de amenizar a dor daqueles que tinham a doença, e que assim como ele, precisavam viajar centenas de quilômetros para conseguirem tratamento. Voluntariamente e arcando com os custos decorrentes, passou a atender em sua residência os pacientes. Esse trabalho foi crescendo e quando atingiu o número de aproximadamente 50 pacientes atendidos mensalmente, pediu ajuda para a Prefeitura de Unaí, que por meio da Secretaria de Saúde, passou a ajudá-lo, liberando o uso de telefone, fax e fornecendo uma van para o transporte de pacientes até Barretos.

O diretor administrativo da ANMECC, Euler Lacerda Braga, conta que atualmente a associação conta com um ônibus que sai da Praça da Prefeitura de Unaí toda segunda-feira, levando 45 pessoas, entre pacientes, acompanhantes, funcionários da Secretaria de Saúde e da ANMECC, além de ambulâncias, lanches e ajuda de custo. O ônibus retorna às quintas-feiras. “Em Barretos, eles ficam em uma casa de apoio para pacientes unaienses, também mantida em parceria com a prefeitura. Atualmente, a associação atende cerca de 400 pessoas com câncer”, conta.

Uma cidade empenhada

Visitei a Associação Noroeste Mineiro de Estudos e Combate ao Câncer – ANMECC, em Unaí. Chego e vejo quadros na parede sobre saúde, com dicas de prevenção ao câncer, frases que ajudam a levantar a autoestima. Na vitrine, camisetas e artigos para vendas com o intuito de arrecadar dinheiro. Na sala ao lado, escuto vozes de fé! Funcionários junto com pacientes fazem oração antes de retornarem aos trabalhos. Em cima da mesa, dicas de como contribuir na construção de um sonho. Pessoas sobem as escadas levando dentro do coração, a esperança e a vontade de viver. Sou recebido pela secretária executiva da associação, Silvone Francisca de Oliveira, esposa de Miguel Ferreira Rodrigues, idealizador do projeto. Na sala da secretaria, fico atentamente ouvindo Silvone contar emocionada como tudo aconteceu.

Em outubro de 2009 o sonho começou a se concretizar, quando a prefeitura de Unaí doou um terreno de 17 mil m2 para construção do hospital. No mesmo dia, Miguel morreu. Acabava a vida de Miguel e começava a construção do seu sonho.

Depois surgiu a ideia do cofrinho. Em lanchonetes, restaurantes e lojas comerciais, foram colocados cofrinhos da ANMECC pedindo ajuda da população no custeio da obra. A adesão foi imediata, e em pouco tempo, era comum entrar num estabelecimento comercial e ver o cofrinho lá! Era uma forma de toda a população contribuir.

A estudante Mariana Albuquerque de 18 anos conta que sempre contribui financeiramente com o que pode. “Toda vez que faço um lanche, coloco moedas do troco no cofrinho. Me sinto bem fazendo isso”. O marceneiro Antônio Francisco também faz questão de contribuir com moedas para o cofrinho. “Achei essa ideia muito interessante. Ela permite que todos participem de maneira na construção do hospital”, relata.

Surge o projeto Gotas de Solidariedade, onde o contribuinte pode doar por meio da conta de água. Basta marcar o valor que pretende contribuir. R$ 2,00 R$3,00 R$5,00 ou outro valor maior.

Em setembro de 2016 teve início a obra. A primeira etapa (Centro de Diagnóstico e Terapia) do Hospital do Câncer do Noroeste Mineiro totalizou uma área de 7.532m² com três blocos: Um bloco que será a prevenção,com 24 consultórios, coleta de exames, administrativo e estudo e capacitação, com 2.950m²; segundo bloco onde funcionará a quimioterapia, conforto e higiene,com área de 2.880m² e um terceiro bloco que é a edificação da imagenologia, com área de 3,108m².  O centro de diagnóstico e terapia atenderá, aproximadamente, 1016 pessoas por dia.

Cavalgada solidária em prol da construção do Hospital do Câncer do Nororeste de Minas Gerais, em Unaí. Foto: Divulgação

Agrotóxico pode ser o grande vilão

Unaí, cidade do noroeste de Minas Gerais, que faz parte da região geoeconômica de Brasília, localizada a 160 km da Capital Federal, um dos maiores produtores de grãos do país, considerada celeiro do Brasil, é famosa pelo seu potencial agrícola, com destaques na produção de soja, café, feijão, milho e muita força na pecuária. Unaí está entre as cidades mais quentes do país, com temperaturas que ultrapassam os 40° no verão. Mas a cidade também tem um lado que não merece ser festejado. O número de casos de câncer.

O prefeito de Unaí, José Gomes Branquinho, demonstra preocupação com o número de casos de câncer na cidade, mas não concorda com esse relatório. Mesmo não sendo prefeito da cidade sete anos atrás, data do relatório, o prefeito disse lembrar de quando divulgaram esse documento. Branquinho explica que o relatório foi feito sem usar as técnicas corretas, como pesquisar na própria cidade se os números eram esses mesmos. “Eles chegavam no Hospital do Câncer de Barretos e pegavam o número de procedimentos de pacientes de Unaí. “Ora, o número de procedimentos sempre será maior que o número de pacientes, já que um paciente pode fazer dezenas de procedimentos ao longo de um ano”, explica Branquinho.

O prefeito Branquinho conta que Unaí tem se destacado, mas é pelo lado positivo, em querer ajudar os cidadãos da cidade e da região noroeste do estado que tem o diagnóstico do câncer. A prova disso é a construção do Hospital do Câncer do Noroeste de Minas Gerais, que está sendo construído em Unaí, por iniciativa popular. “Há um vazio em nossa região, em todo o noroeste mineiro não tem tratamento para pessoas com câncer.  Unaí quer ser referência no tratamento de câncer e ser a sede de um Polo Oncológico. O Distrito Federal não aceita mais gente de Minas Gerais para esse tipo de tratamento após a pactuação”, desabafa.

(Pactuação é a maneira através da qual os gestores do SUS, nas três esferas de gestão, assumem publicamente compromissos sanitários com ênfase nas necessidades de saúde da população. O pacto geralmente é feito em cima de um elenco de indicadores ou parâmetros).

O prefeito José Gomes Branquinho sancionou a Lei 3.151 de 11 de abril de 2018, que autoriza a destinação de R$ 500 mil para a Anmecc utilizar na compra de material para construção do Hospital de Câncer do Noroeste Mineiro. O repasse foi feito à Associação Noroeste Mineiro de Estudos e Combate ao Câncer em cinco parcelas de 100 mil reais. O ato de assinatura contou com a presença da diretoria da associação e de sete vereadores.

“Hoje é um dia marcante na história da Anmecc, pois é a primeira vez que a associação recebe recursos da Prefeitura e da Câmara de Vereadores que será usado na construção do hospital”, comemorou o diretor administrativo da entidade, Jaime Correia Guimarães.

Quase dez anos depois, a obra está em fase de acabamento, com previsão de entrega, para junho de 2019.

Segundo dados da ANMECC, 123 pacientes com câncer foram encaminhados para tratamento em Barretos e outros 40 para Uberaba, Uberlândia e Belo Horizonte, total de 163 somente em 2018.

Ao todo, cerca de 450 unaienses estão em tratamento de câncer por intermédio da ANMECC e da Secretaria de Saúde.

Por Saulo Campos

Matéria publicada em dezembro 2018, na Revista Esquina.