Doenças como câncer de pulmão, infarto, AVC, bronquite crônica e enfisema pulmonar estão entre as principais consequências do tabagismo. Os riscos à saúde também se estendem ao uso de cigarros eletrônicos. Conhecidos pelo termo em inglês vapes (que vem do verbo vaporizar), têm se popularizado cada vez mais, principalmente entre os mais jovens. Assim como o cigarro tradicional, os vapes contêm nicotina e diversas substâncias químicas tóxicas que, quando inaladas, podem comprometer seriamente os pulmões, o sistema cardiovascular, além de prejudicar o desenvolvimento neurológico, especialmente em adolescentes.
No Brasil, o uso e a comercialização desses dispositivos estão proibidos desde 2009, por orientação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Essa restrição, no entanto, não tem impedido a expansão do consumo: estima-se que cerca de 3 milhões de pessoas façam uso dos cigarros eletrônicos, segundo levantamento do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica). Os maiores índices de usuários estão concentrados no Paraná, seguido por Mato Grosso do Sul e Distrito Federal, o que reforça a urgência de ações educativas e preventivas voltadas à saúde pública.
Para conversar sobre o tema, entrevistamos a médica pneumologista e doutora Letícia Oliveira Dias, professora do curso de Medicina do Centro Universitário UNICEPLAC. A docente, junto a alunos da instituição, estuda o tema em um projeto de Iniciação Científica. O trabalho será apresentado na IV Mostra de Ensino, Pesquisa, Cultura e Extensão (MEPE), evento que promove a integração entre ensino, pesquisa e extensão, e será realizado de 3 a 5 de junho na instituição.
Quais são os principais danos que o cigarro causa aos pulmões e ao sistema respiratório como um todo?
O tabagismo é a principal causa de doenças respiratórias crônicas, como a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e o câncer de pulmão. O cigarro contém mais de 7.000 substâncias químicas, muitas delas carcinogênicas e/ou causadoras de inflamação crônica, que resultam em aumento da produção de muco, destruição das fibras elásticas dos pulmões e danos aos alvéolos (estruturas do pulmão responsáveis pela oxigenação). Isso leva à redução da capacidade respiratória, dificuldades para respirar e predisposição a infecções pulmonares. A exposição contínua ao fumo também compromete a função ciliar dos pulmões, essencial para a limpeza das vias aéreas, dificultando a eliminação de secreções e aumentando o risco de bronquites e pneumonias.
Quais os riscos do cigarro eletrônico?
Os líquidos usados nos Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) contém nicotina, uma substância altamente viciante que pode causar alterações cardiovasculares e impactar o desenvolvimento cerebral em crianças e adolescentes. Além disso, a inalação de substâncias como formaldeído e outros compostos tóxicos gerados pelo aquecimento dos líquidos pode causar danos ao sistema respiratório, aumentando o risco de doenças pulmonares, como a bronquiolite obliterante, condições inflamatórias e até câncer.
Já é possível perceber, na prática clínica, os impactos do uso de cigarros eletrônicos em jovens e adultos? Que tipos de doenças têm surgido?
Sim, já observamos na prática clínica o surgimento de doenças pulmonares associadas ao uso de cigarros eletrônicos. A “doença do pulmão do vaper”, conhecida como EVALI (Lesão Pulmonar Associada ao Uso de Cigarro Eletrônico, do inglês E-cigarette and Vaping Associated Lung Injury), é um exemplo. Trata-se de uma condição clínica nova, identificada em usuários desses dispositivos, caracterizada por lesões nos pulmões que podem evoluir para insuficiência respiratória. Além disso, o uso de DEFs está relacionado a quadros de bronquiolite obliterante, asma agravada, tosse crônica, dispneia (dificuldade para respirar) e até pneumonia. Em jovens, há preocupação com os impactos no desenvolvimento pulmonar, já que o sistema respiratório segue em formação até os 25 anos de idade.
Além dos pulmões, que outros órgãos e sistemas do corpo são afetados pelo tabagismo e pelo uso de vapes?
O cigarro eletrônico, embora afete principalmente os pulmões, pode comprometer diversos outros sistemas do corpo, como o cardiovascular, o neurológico e o digestivo, devido à nicotina e aos demais produtos químicos presentes nos líquidos. O sistema cardiovascular é severamente afetado, com aumento do risco de doenças coronarianas, hipertensão e acidente vascular cerebral (AVC). A nicotina também provoca alterações no sistema nervoso central, prejudicando a memória, a concentração e aumentando o risco de dependência. No sistema digestivo, o tabagismo está associado ao surgimento de úlceras gástricas e cânceres no esôfago e pâncreas.
Quais são os sinais de alerta que um fumante — ou usuário de cigarro eletrônico — deve observar e que indicam que algo está errado com a saúde respiratória?
Fumantes e usuários de cigarros eletrônicos devem ficar atentos a sinais como tosse persistente, falta de ar (especialmente durante atividades físicas), chiado no peito, secreção espessa ou com coloração alterada (amarela, esverdeada ou com sangue) e cansaço excessivo. Dor no peito ou sensação de aperto também são sintomas importantes. Caso esses sinais sejam frequentes ou se agravem com o tempo, é fundamental procurar avaliação médica, pois podem indicar o início de doenças como DPOC, bronquite crônica ou até câncer de pulmão.
O que poderia ser feito para conscientizar melhor a população, especialmente os jovens, sobre os riscos do uso desses produtos?
A conscientização sobre os riscos do tabagismo e do uso de cigarros eletrônicos deve ser feita de forma ampla e estratégica. É essencial realizar campanhas educativas específicas, com foco nas redes sociais e plataformas digitais, onde os jovens estão mais presentes. Essas campanhas devem abordar os danos à saúde, a dependência química e os impactos a longo prazo. Também é fundamental implementar programas escolares de prevenção e fortalecer a fiscalização sobre a venda e a propaganda desses produtos. Vale lembrar que, no Brasil, a Anvisa proíbe a comercialização, importação e propaganda de todos os dispositivos eletrônicos de fumo, conforme a Resolução RDC nº 46/2009. Empresas que descumprirem essa norma estão sujeitas a multa diária de 5 mil reais. Por fim, oferecer apoio psicológico e programas de cessação do tabagismo é essencial para quem deseja abandonar o hábito.