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Do oriente ao ocidente: como a cultura brasileira banalizou o consumo de narguilé

Popularizado como uma forma de socialização (característica também presente na cultura árabe), chamar para fumar um narguilé virou tão comum quanto chamar para uma cerveja, dizem estudantes entrevistados De acordo com uma pesquisa divulgada pelo Ministério da Saúde em 2015, o número de fumantes de narguilé no país já tinha chegado a cerca de 212 mil usuários. Porém, mitos que surgem e a banalização de seu uso levam à crescente preocupação de pais, educadores e da comunidade médica.  

A estudante universitária Giulia, de 20 anos, começou a fumar aos 18, porém já tinha conhecimento do narguilé desde o ensino fundamental. Assim como muitos adolescentes, ela via no fumo uma forma de interação que o cigarro não permitia. Outra  diferença do narguilé para a aluna são as essências e as inúmeras possibilidades de misturas e trocas do produto. Algo que a jovem comenta é o fato que “entre o narguilé e o cigarro, o segundo me vicia muito mais”, sendo essa uma suposição incorreta, de acordo com especialistas

Segundo o pneumologista Carlos Alberto de Assis, um dos principais perigos do narguilé para os jovens é a possível dependência da nicotina. Um dos mitos sobre o Hookah (o narguilé) é de que não possui nicotina. Porém algumas essências têm a substância, mas pela falta de regulamentação apropriada, a leitura da composição nas embalagens é quase impossível. “Na verdade, a concentração da nicotina no tabaco para narguilé é um pouco maior do que no tabaco para cigarro. O que acontece é que se mistura uma série de substâncias para dar cheiro e sabores especiais É com isso fica mais fácil das pessoas inalarem”, explica o médico.

A popularização do uso também causa um problema ainda maior, pois começou a se misturar outras drogas durante o consumo de narguilé. “Se pode misturar maconha no tabaco do narguilé e ao invés de colocar água naquela vasilha você acaba colocando vodka ou alguma substância destilada. E, na verdade, as crianças e adolescentes estão usando nicotina, maconha e álcool, tudo por via inalatória”, alerta o médico. Essa banalização e corrupção da prática também são uma das principais preocupações de Susana Ferreira, proprietária juntamente com o marido Hassan Ismail Diab, de um  estabelecimento localizado no Lago Sul.

 

Do Oriente Médio, com amor

Natural do Líbano, Hassan se mudou em 2006 para o Brasil a pedido do irmão, que já trabalhava no país no mercado de eletrônicos na Feira do Paraguai, mas após vários empecilhos decidiu abrir seu restaurante. Cozinheiro em casa “desde criança” decidiu abrir o próprio estabelecimento em 2008, onde foi o primeiro a oferecer na mesma  comida e narguilé, combinação essa que iria se tornar popular.

‘Ele queria criar um estabelecimento que fosse a cara da terra natal dele . Quando um cliente chega aqui, quero que ele se sinta no Líbano’, explica a esposa Susana. Durante os primeiros anos do restaurante, não havia um dia que não ficasse lotado. Na época, havia poucos negócios que funcionava como eles, e os que tinham eram também de donos árabes.

“Com o modismo muito grande da questão de narguilé (outra forma de se escrever esse tipo de fumo), muitos brasileiros começaram a abrir lojas e estas não possuem as tradições árabes. Nossa maior preocupação é ser fiel à cultura’, diz a proprietária. Lá ela conta como fazem questão de utilizar apenas o arguilé egípcio, assim como seguir todas as normas da fiscalização brasileira. Entre as regras, está previsto que o  ambiente deve ser separado do resto da casa, fechado com exaustor, e com proibição de permanência de empregados no local. Além disso, cada cliente deve ter o próprio equipamento.

Para os donos do restaurante, o principal problema dessa incorporação do narguilé na cultura brasileira é a banalização da cultura árabe e a falta de cuidado de novos estabelecimentos que surgem em Brasília. “Aqui não tem música alta, as pessoas vêm fumar como uma forma de relaxamento. Lá no Líbano a intenção maior é quando as famílias sentam para fumar arguilé: é reunião, bate-papo e a socialização. Isso se perdeu muito aqui”. O que mais emociona o dono do restante é que, segundo ele, que o local se transformou em espaço de estudo ou trabalho. “Todas as mesas da área têm pelo menos uma pessoa sentada com o computador ligado estudando ou fazendo trabalho, tomando um café árabe, um chá árabe e fumando”.

Outra preocupação deles é a falta de higienização dos novos estabelecimentos. O equipamento utilizado deve ser lavado com água e sabão, seguido de uso de produto bactericida, com um aliado para o equipamento ficar ainda mais seguro: por fim vinagre e limão para eliminar o cheiro das essências mais fortes.

O narguilé também não deve ficar passando de boca em boca como é tão comum na maioria dos bares. “O arguilé mal lavado causa muito mais doença do que a própria essência da nicotina em si. Eu tenho muitos clientes que trazem a própria mangueira. Não tem essa coisa de sentar vinte pessoas em uma mesa e as vinte compartilharem a mesma mangueira ou até o mesmo equipamento”, explica Susana Diab.

Por Louise Velloso