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No Gama, mulheres camelôs lamentam falta de direitos

A música alta, o caos de inúmeras vozes chamando por clientes e o ambiente lotado não negam: é dia de trabalho para os mais de 20 camelôs que atuam ativamente na imediações do Terminal Rodoviário do Gama, no Centro da Região Administrativa. Lá é possível encontrar produtos falsificados, como CDs e DVDs, à pipoca e o milho fervido. Em meio a conhecida “confusão”, é possível observar a presença massiva de mulheres camelôs, que encontraram naquela rua uma alternativa para driblar a falta de oportunidades nos trabalhos formais.

Atrás de uma pequena mesa com uma faixa escrita “tapioca”, está Maria de Loudes Silva, 38 anos.Ela explica que só está ali há 3 semanas porque decidiu ajudar nas despesas de casa  “Decidi ir atrás de uma renda extra porque só com o salário de pedreiro do meu marido não estava dando para pagar todas as dívidas e despesas”, comenta a vendedora. Maria tem cinco filhos. Todos moram com ela e o marido. Ela diz que só foi possível começar a trabalhar agora porque os filhos estão crescidos.

A rotina de trabalho começa cedo, às 7h. Maria acorda e prepara as massas e recheios de tapioca. Depois pega um ônibus e às 10h garante lugar na calçada ao lado da Rodoviária. Ela mora no bairro do Céu Azul, em Valparaíso (GO), que fica a 16,2 km do Gama.  “Faço isso tudo sozinha. Quando alguma das crianças não tem aula, elas vêm me ajudar. Mas só deixo nesse caso. Não posso tirá-las do colégio para ficar aqui”, ressalta.

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Naquele dia, Pedro Lucas da Silva, 18 anos, o mais velho entre os irmãos, estava ajudando a mãe. “Gosto de vir para cá para ajudá-la porque sei que não é fácil para ela fazer tudo sozinha”, explica o rapaz que é estudante do ensino médio.

A rodoviária do Gama é espaço para comerciantes

O expediente dura até as 18h, quando é hora de retornar para casa. Os dias de descanso são raros e geralmente são tirados aos domingos ou segundas-feiras. Em relação aos outros trabalhadores com quem divide espaço, Maria diz ter uma boa convivência. “Não fizeram confusão comigo quando cheguei. Todo mundo se respeita muito e entende a situação do outro”,.

O dinheiro das vendas das tapiocas (a média de preços de cada uma é R$ 2,50) é contado e não sobra para produtos supérfluos, conforme explica Maria. Quando questionada se sonha em sair dali e tentar um outro emprego, a resposta demora alguns segundos, mas é negativa. “ Enquanto estiver dando certo, eu vou continuar aqui. Quero dar continuidade a venda de tapiocas, é muito difícil encontrar um trabalho formal”, lamenta.

Os números da informalidade

Pesquisa do IBGE mostra que, em 2017, o número de trabalhadores informais cresceu, ficando com quase 37,3 milhões, em relação aos últimos três anos. Em relação às mulheres o número é de 40,7%.

Mais mulheres sem carteira assinada

Em 2018, a Organização Mundial do Trabalho (OIT) divulgou um relatório em relação aos trabalhadores informais por recorte de gênero que informa que a informalidade atinge mais homens (63%) do que mulheres (58%). Entretanto, em mais da metade dos países pesquisados, entre eles o Brasil, a ocorrência do problema é maior entre o sexo feminino do que entre o masculino. O IBGE informa que a região Centro-Oeste tem o maior nível de mulheres desocupadas, 55,8%.

A economista Débora Barem explica que as mulheres são mais suscetíveis ao trabalho informal pela dificuldade de recolocação no mercado de trabalho. “A mulher em muitos casos para de trabalhar para cuidar dos filhos ou porque se vêem dependentes economicamente dos maridos. Para voltar ou começar a trabalhar formalmente depois desse tempo parada é muito difícil”, pontua.

Em relação às mulheres que trabalham nas ruas,  a economista chama atenção para os perigos que elas encontram diariamente. “Elas são mais suscetíveis às inseguranças das ruas, como abordagens extremas e roubos”.

Além das inseguranças, as trabalhadoras informais enfrentam outro desafio: a falta de direitos. “É tudo por conta dela, ela não tem direito  à licença maternidade, à férias ou auxílio desemprego, se ela vende tem dinheiro no fim do mês, se não vende, não tem”, pontua a economista.

Esperança na panela do milho

Maria Rosicleide comercializa milho e pipoca no lugar. O negócio ajuda a sustentar a casa

“Estou aqui há 3 anos e em todo esse tempo não parei de tentar encontrar outro emprego”, diz Maria Rosicleide das Neves, 44 anos, vendedora de milho cozido e pipoca ao lado da Rodoviária.  A trabalhadora conta que, antes, era funcionária terceirizada da Polícia Federal, mas perdeu a vaga há 3 anos. “Nesse tempo comecei a estudar gastronomia, mas não consegui pagar e tive que trancar a faculdade”, comenta.

Com o dinheiro das vendas na rua, ela sustenta a casa, o filho de 21 anos e ajuda  nas despesas com a neta. “Tem dias bons e dias ruins das vendas, mas geralmente eu consigo pagar todas as despesas”, conta.

Em relação à  supervisão da Agência de Fiscalização do DF (Agefis), que trabalha com o controle do trabalho informal, Rosicleide afirma que, quando os agentes chegam, é necessário correr. “Se eles virem a gente aqui, acabam apreendendo as nossas mercadorias”.

“Por esses motivos que eu sonho em encontrar um trabalho que tenha mais estabilidade e que me ajude a realizar o sonho de ser chefe de cozinha”, afirma a comerciante.

“Não existem programas”

Em nota, a Agefis informou que a abordagem em relação às trabalhadoras informais é semelhante às do homem, mas se for necessária apreensão, o tratamento é diferenciado para evitar abusos ou violações. A Administração Regional do Gama comunicou que, no momento, não existem programas que atendem os trabalhadores informais nem projetos de recolocação para áreas formais da cidade.

Por Maria Julia Spada

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira